O juiz da 1ª Vara do Trabalho de Pedro Leopoldo, considerou que a prática de ato de violência e crueldade contra o pitbull caracteriza a falta grave definida na lei como mau procedimento.
Reportagem: Pacheco de Souza / Foto: Reprodução
Quem não se lembra do cachorro Sansão? É emblemático o caso do pitbull que foi amordaçado com arame e teve as patas traseiras decepadas a golpes de facão pelo servente geral de uma empresa de transporte de cargas. Os atos de tortura e crueldade contra Sansão ocorreram em Confins, cidade localizada na Região Metropolitana de Belo Horizonte. A violência contra o cão causou grande revolta e repercussão nacional, mobilizando vários setores da sociedade voltados para a proteção dos animais. O caso foi um dos motivos da aprovação da Lei nº 14.064/2020, apelidada de Lei Sansão, que aumenta a pena para o agressor que maltratar ou praticar abusos contra cães e gatos. A nova pena para a conduta descrita na lei, sancionada em 29 de setembro de 2020, é de reclusão, de dois a cinco anos, multa e proibição da guarda.
Após ter sido desligado da empresa, o servente geral que amputou as patas traseiras de Sansão procurou a Justiça do Trabalho pretendendo a reversão da justa causa aplicada pelo ex-empregador. Entretanto, ao analisar o caso na 1ª Vara do Trabalho de Pedro Leopoldo, o juiz Marcel Luiz Campos Rodrigues julgou improcedente o pedido do trabalhador.
Inicialmente, o reclamante tentou convencer o julgador de que teria sido dispensado por abandono de emprego. Negou qualquer intenção de abandonar o trabalho na empresa, ressalvando que deixou de prestar serviço a partir de 9/6/2020, por medida de segurança própria e de seus familiares, depois que passou a ser “vítima de campanha na internet de difamação” pelo fato de ter cortado as patas traseiras do cachorro Sansão, fato que teve grande repercussão nacional. Dessa forma, defendeu que não estão presentes os requisitos exigidos para a configuração do abandono de emprego, razão pela qual pediu a reversão da justa causa e a consequente condenação da empresa ao pagamento das diferenças de verbas rescisórias, além da imposição das obrigações de fazer atinentes à dispensa imotivada.
Por outro lado, a empresa negou que a motivação da dispensa tenha sido o abandono de emprego. Informou que a violência praticada contra o cachorro ocorreu, na verdade, no dia 6/7/2020, durante o horário de trabalho, sendo a justa causa aplicada logo após a apuração dos fatos, em 8/7/2020, com fundamento na alínea “b”, artigo 482, da CLT (mau procedimento).
Em sua análise, o magistrado apurou que o reclamante residia em local vizinho à propriedade da empresa que ficava sob sua responsabilidade, conforme mencionado na petição inicial. Além disso, a ficha de registro juntada ao processo revela que ele foi contratado em 21/6/2018, para exercer a função de servente geral, trabalhando durante a semana, das 8h às 18h, com intervalo intrajornada de duas horas entre 12h e 14h e, aos sábados, das 8h às 12h, sem intervalo. Por fim, conforme destacou o juiz, é também fato incontroverso que o reclamante decepou as patas traseiras do pitbull, como admite na petição inicial, tendo ele reconhecido, também, que responde a processo criminal em razão desse fato.
O magistrado observou que, diferente do que foi afirmado pelo trabalhador, os documentos demonstraram que a agressão ocorreu no dia 6/7/2020 (segunda-feira) e não no dia 8/6/2020. Lembrou o juiz que, em depoimento pessoal, o servente geral havia declarado que Sansão invadiu a casa dele e atacou o seu animal, expondo, ainda, a perigo a sua própria mãe, que estava no quintal tomando sol, o que demonstra que a agressão ocorreu durante o dia.
Portanto, o magistrado considerou que o reclamante estava a serviço da empresa na data e horário do fato, não havendo qualquer elemento no processo que indique situação diversa. Nesse contexto, o julgador salientou que é equivocada a declaração do trabalhador no sentido de que teria sido dispensado por abandono de emprego. Isso porque o documento “Aviso do Empregador para Dispensa de Empregado por Justa Causa”, datado de 8/7/2020 e juntado ao processo pelo próprio autor, revela que a falta foi tipificada na “alínea b”, que se refere ao artigo 482 da CLT, norma em constam as hipóteses de justa causa.
Portanto, na conclusão do juiz, a empresa aplicou a penalidade por considerar que houve mau procedimento na conduta do autor, não existindo o alegado abandono de emprego. “Nem poderia existir, considerando a data do ocorrido (6/7/2020) e a data da despedida (8/7/2020). O verdadeiro motivo da dispensa motivada, como alegado em defesa, foi o ato de extrema violência praticada pelo autor contra um cachorro, caracterizado como mau procedimento”, completou.
No entender do magistrado, a empresa cumpriu o ônus de demonstrar a falta grave praticada pelo ex-empregado. Nas palavras do julgador, “não é possível ignorar que, pelas máximas da experiência, há efetiva desproporcionalidade entre a conduta narrada pelo reclamante (mero ato de defesa e proteção de terceiros a um ataque canino) e o lastimável resultado que alcançou (lesões sofridas pelo animal, que teve suas duas patas traseiras decepadas)”.
Além disso, o magistrado considerou que não houve inércia da empresa, já que a punição respeitou o princípio da imediatidade, pois os maus-tratos foram praticados no dia 6/7/2020 e a pena máxima foi aplicada em 8/7/2020, ou seja, logo após a apuração dos fatos pela empregadora. Com esses fundamentos, o juiz rejeitou os pedidos do servente geral. Não houve recurso e o processo já foi arquivado.
Fonte: Secretaria de Comunicação Social / Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região