Músico subverteu a forma e a sonoridade da tradicional viola caipira brasileira
Por Marco Lacerda
Como Ney Matogrosso, que escolheu Juiz de Fora para fazer a pré-estréia do seu novo show (Atento aos sinais), o violeiro mineiro Fernando Sodré optou por Itamonte, também em Minas, para abrir sua temporada de shows de 2013. A temporada antecede o lançamento do terceiro CD do músico, ‘Viola de Ponta Cabeça’, que acontecerá ainda neste primeiro semestre. Antes disso Sodré levará seu concerto às principais cidades de Minas e do Brasil em turnê a ser previamente anunciada.
Em suas apresentações Fernando não conta com apoio financeiro ou patrocínio, enquanto Cláudia Leite é contemplada com 6,5 milhões de reais para uma turnê em que serão despejadas toneladas de detritos musicais nos já calejados ouvidos brasileiros. A única arma com a qual Fernando Sodré conta é a sua viola caipira, também conhecida como viola sertaneja, viola nordestina, viola cabocla e viola brasileira. Com suas variações, é popular principalmente no interior do Brasil, sendo um dos símbolos da música popular brasileira.
O instrumento tem sua origem nas violas portuguesas, oriundas de congêneres árabes como o alaúde. É descendentes direta da guitarra latina, que, por sua vez, tem origem arábico-persa. Já as violas portuguesas chegaram ao Brasil trazidas por colonos portugueses de diversas regiões lusitanas e passaram a ser usada pelos jesuítas na catequese de indígenas. Mais tarde, os primeiros caboclos começaram a construir violas com madeiras toscas da terra, dando origem à viola caipira.
Dito isso é bom lembrar que Fernando Sodré subverteu não só o design, mas a sonoridade típica do instrumento à qual estávamos habituados. Quem vai aos seus concertos esperando ouvir lamentos sertanejos com certeza volta pra casa tão decepcionado como aqueles que, em 1976, pagaram uma grana preta na esperança de ouvir Miles Davis tocar o Concerto de Aranjuez, no Teatro Municipal de São Paulo. Totalmente mergulhado na fusão jazz-rock, Davis estourou os tímpanos conservadores com um som arrebatador demais até para os ouvidos modernos da época.
Algo semelhante acontece com a música de Fernando Sodré. Aos 34 anos, ele já é reconhecido como um dos mais importantes representantes da viola caipira instrumental no Brasil, buscando em seu instrumento novos caminhos e experimentos sonoros que surpreendem o ouvinte. Inconformado com o tamanho natural das coisas, Sodré inovou na criação da viola de 14 cordas, um instrumento único, com maior extensão harmônica e um timbre surpreendente.
A fórmula do sucesso de Fernando Sodré é a mistura da sonoridade da viola caipira com a forma peculiar com que ele a toca, o que lhe permite alcançar um estilo absolutamente pessoal. Colecionador de prêmios, Fernando destaca-se no cenário nacional não só pela originalidade do seu trabalho, mas sobretudo por seu virtuosismo. Sodré já dividiu palcos com grandes nomes da musica brasileira como Hamilton de Holanda, Almir Sater, Toninho Horta, Roberto Correa, Juarez Moreira e uma legião incontável de pesos pesados.
Influenciado por mestres como Tom Jobim e Raphael Rabelo, além de Pat Metheny e Paco de Lucía, em ‘Viola de Ponta Cabeça’, Fernando vai mostrar aos ouvintes as preciosidades que imprime ao seu trabalho a cada novo disco. Quando nada será uma injeção de grandeza musical nos nossos ouvidos saturados de axeismos e funquices de quinta categoria. Quem quiser esquentar as turbinas até a chegada do novo CD pode ouvir seus trabalhos anteriores: ‘Rio de Contrastes’ e ‘Fernando Sodré’.
Marco Lacerda é jornalista e escritor, autor dos livros ‘As flores do jardim da nossa casa’, ‘Favela High-Tech’ e ‘Clube dos homens bonitos’.